Nos últimos anos, os termos “podcast” e “Spotify” tornaram-se praticamente sinônimos na América Latina, mas a indústria de áudio da região agora enfrenta as consequências da retirada da empresa. Em julho, o podcast Mujeres Valientes ganhou o Prêmio Gabo, uma das mais prestigiadas premiações latino-americanas para narrativas em áudio, tornando-se um símbolo do sucesso da estratégia de podcasts da Spotify. A série feminista sobre uma comunidade indígena em Oaxaca foi um dos muitos podcasts na região apoiados pela plataforma, que recebeu elogios da crítica graças aos investimentos massivos da empresa na região.
No entanto, nos últimos dois anos, a Spotify tem se afastado dos investimentos em podcasts, encerrando contratos em países de língua espanhola na América Latina. Mais de um ano após o lançamento de Mujeres Valientes, a produção ainda busca financiamento para uma segunda temporada, conforme relataram os produtores ao Rest of World.
Este é apenas um exemplo das repercussões globais da investida apressada da Spotify no universo dos podcasts, seguida por sua retirada. Nos Estados Unidos, o maior mercado de podcasts do mundo, a empresa investiu centenas de milhões de dólares, mas depois reverteu a estratégia, cancelando programas populares e demitindo centenas de funcionários. Contudo, nos EUA, a Spotify era apenas mais um jogador em um mercado competitivo. Na América Latina, a empresa se tornou tão dominante que seu nome se tornou sinônimo tanto do auge quanto do declínio que os produtores de podcasts enfrentam atualmente.
“Várias dessas empresas dependiam dos orçamentos da Spotify para produzir podcasts, e agora tiveram que interromper a produção porque não possuem esses orçamentos e precisarão repensar o que fazer a seguir,” afirmou María Jesús Espinosa de los Monteros, chefe de áudio do grupo de mídia espanhol Prisa, que entregou o prêmio ao Mujeres Valientes.
A Spotify não respondeu se financiaria uma segunda temporada de Mujeres Valientes, criado e apresentado por Nayelli López Reyes, uma mulher indígena Triqui de 25 anos. “Estamos incrivelmente orgulhosos do que criadores como Nayelli conseguiram realizar participando dos programas de criação da Spotify, e estamos sempre ansiosos para apoiar criadores na realização de seus sonhos”, disse Nacho Gil, chefe de marketing e podcasts na América Latina, em um comunicado ao Rest of World.
A Spotify entrou relativamente tarde no mercado de podcasts, mas tentou compensar o tempo perdido com escala. Em 2019, a empresa gastou cerca de 400 milhões de dólares na aquisição de Gimlet, Anchor e Parcast: empresas que floresceram após o sucesso estrondoso do podcast Serial. O CEO da Spotify, Daniel Ek, afirmou que isso fazia parte de uma estratégia “audio-first”, um plano para se tornar “o principal produtor de podcasts”.
Na América Latina, essa expansão teve um impacto dramático, tornando a Spotify a principal plataforma de podcasts na região. Uma pesquisa de 2024 revelou que 90% dos ouvintes na região usam a Spotify para consumir podcasts. Esse domínio é um reflexo de como os podcasts eram nichados na região antes da chegada da plataforma. “Aqui, é quase como se a Spotify tivesse construído a indústria,” comentou Luciano Banchero, cofundador do estúdio argentino de podcasts Posta.
No entanto, em 2022, a Spotify começou a reduzir sua expansão, cancelando programas e demitindo produtores. Em uma chamada com investidores em outubro daquele ano, Ek admitiu que os investimentos pesados em podcasts seriam revertidos em 2023. Enquanto alguns produtores na América Latina mantinham otimismo, a realidade logo se impôs, com contratos não renovados e produções interrompidas.
Agora, produtores de podcasts na região estão repensando seus negócios e considerando o quanto o mercado pode realmente suportar. Para alguns, como Espinosa de los Monteros, o momento é visto mais como uma “correção de mercado” do que uma crise. No entanto, a saída da Spotify deixou um vazio significativo, e muitos produtores estão buscando novas formas de se sustentar, seja migrando para o vídeo ou produzindo podcasts para outros clientes, atraídos por seu trabalho anterior para a Spotify.
Fonte: Rest of The World.