Se este título deliberadamente provocativo te causou desconforto: seja bem-vindo à minha coluna.

Meu nome é Lana Távora, jornalista há pelo menos 7 anos (embora não formada, pois a formação está vindo agora).

Com a popularização dos podcasts nos últimos anos, temos acompanhado vários fenômenos da mídia em tempo real: os cortes fakes de podcast para simular autoridade, os “podcasts” que são vídeos curtos publicados apenas no YouTube (na minha época pré-internet, chamávamos isso de vídeo), e os mesacasts com convidados que rendem horas de bate-papo e extração de informações que não seriam obtidas de outra forma.

Mas, antes de mais nada, quero abrir um parêntese importante: aqui no Brasil, desde 2009, não é obrigatório ter diploma de jornalismo para exercer a profissão. Muitas pessoas entram no jornalismo através de caminhos diferentes, incluindo outras áreas de estudo, experiência prática, e cursos técnicos ou de especialização. Muitos criadores de conteúdo se valem dessa lei para criar conteúdo de qualidade duvidosa.

Esse é um crime do qual sou parcialmente culpada. Como mencionei no início do texto, já atuo como jornalista desde antes de entender que esse era o meu trabalho. Porém, há uma razão para esse não ser um crime que cometo por completo:  eu busquei aprender. Fui atrás. Estudei. Melhorei. Porque disseminar informações é uma responsabilidade e não deve ser feito levianamente.

Mas por que esse pensamento não é senso comum? A resposta é simples: o deliberadamente ruim ficou popular.

Há alguns meses, um certo podcast bastante famoso viralizou na internet porque os apresentadores fizeram perguntas aos convidados que eram quase de senso comum, algo que qualquer um que pesquisasse minimamente sobre o convidado saberia. O episódio gerou várias discussões:

  • Eles não sabiam nada sobre o convidado?
  • Como pode uma produção com tão pouco cuidado fazer tanto sucesso?
  • Se eu estivesse na posição dos hosts como entrevistadora, teria feito um trabalho melhor?

“Nós não fazemos entrevistas. Nós só conversamos, é só um bate-papo”, diz o Apresentador nº1. É um ponto interessante a se considerar, com certeza! Então, vamos verificar a definição de “entrevista”?

ENTREVISTA

  • Def.1. Coleta de declarações tomadas por jornalista(s) para divulgação através dos meios de comunicação.
  • Def.2. A entrevista é um gênero textual produzido pela interação entre duas pessoas, ou seja, o entrevistador, responsável por fazer perguntas, e o entrevistado, que responde às perguntas.
  • Def.3. Uma entrevista é uma reunião preestabelecida entre duas pessoas na qual se realiza um intercâmbio de informações. Diferentemente do diálogo ou simples conversa, a entrevista tem um propósito específico, que pode ser dirigido à avaliação, divulgação ou diagnóstico do entrevistado.
  • Def.4. Prestação de informações ou de opiniões a um repórter de jornal, televisão etc., feita oralmente para publicação. 
  • Def.5. Etapa em que o RH faz perguntas ao candidato para entender melhor sua experiência, seu perfil profissional, […] Bom, dessa definição pra frente já desafia o propósito desse artigo, então vamos focar nas quatro primeiras.

Meu caro Apresentador nº1, seu podcast é de entrevistas!

Esses programas poderiam não ser, de fato, de entrevistas. Mas só se não houvesse o mínimo de interesse na coleta de informações para divulgação. No caso de um podcast, essa linha já foi cruzada. Logo, todos os programas que seguem esse formato são de entrevistas, visto que o objetivo é extrair declarações do convidado. Ninguém tá ali pra bater-papo despretensiosamente – é tudo calculado.

“Bom, mas os apresentadores chegaram onde chegaram fazendo assim”. Tudo bem, desde que possamos concordar que isso não reflete a qualidade da entrevista. Já diria meu velho amigo Shakespeare: mudar ou não mudar a definição de uma palavra para se adequar às minhas necessidades? Eis a questão.

Chegou a hora de enfrentarmos o bicho-papão embaixo de nossa cama podcastal: nós criamos um ambiente fértil para propagação de charlatões e criadores de conteúdo ruim e agora temos que lidar com isso. O preço a ser pago é sermos comparados com podcasters maiores (em números) que fazem um trabalho muito pior (em qualidade de conteúdo). Se não começarmos a cobrar essas pessoas para assumirem suas responsabilidades como disseminadores de conteúdo e fazerem um trabalho melhor, a régua estará cada vez mais próxima do chão.

O que, na minha opinião, é uma pena.


Na minha próxima coluna, eu venho explicar por que (e como!) um trabalho mal feito se torna um sistema tão lucrativo em mídias digitais. Mas fica tranquilo(a); eu vou estudar o tema antes de falar sobre ele.