Fazia um tempo que queria escrever algo sobre esse assunto. Em conversas que tive, depoimentos e feedbacks que me dão referente ao meu trabalho no Contador de Histórias uma variável que sempre mencionam é que “é imersivo”. Mas o que é e de onde vem essa imersão?

Esteja você editando um podcast de RPG, uma história narrada ou um áudio drama completo a imersão vem da ideia de fazer o ouvinte se sentir dentro da cena e, pra mim, esse conceito é válido em qualquer um desses tipos de edição que mencionei. Agora, o que acho válido comentar, é que existem diferentes níveis de imersão e diferentes tipos de ouvinte. Como assim?

Em termos de edição pra áudio ficção imersiva vou dividir aqui (de forma bem simplificada) em dois tipos diferentes: A Imediata e a Complexa. Em termos de ouvinte, há quem sinta a diferença ativamente (o que repara nas camadas de som) e os ouvintes mais passivos (que não reparam nelas). O artigo é voltado para que, de uma forma de reflexão, você começa a prestar atenção no que está ouvindo.

Essa edição que chamei de imediata é mais comum de se ver em podcasts de RPG, narrações e aqueles que transitam pelo formato de audiobook. É aquela edição que existe a sonorização dos elementos descritos e narrados pelo mestre ou os jogadores. Apesar que existem também áudio dramas que editam dessa forma, onde você tem um ambiente simplificado e o foco é em sonorizar o primeiro plano da história, ou seja, as ações direta das personagens.

Se a cena diz que a personagem vai entrar no carro, você tem a porta do carro abrindo. Se ela precisa dirigir o motor liga, se está chovendo, tem som de chuva e por ai vai.

A edição que chamei de complexa é a que constrói os outros elementos que fazem parte da cena mas estão em outras camadas de prioridade e que, não necessariamente, estão sendo descritos/narrados. Vou tentar deixar um exemplo prático utilizando aquele parágrafo da personagem entrando no carro. Vamos supor que a cena apenas descreveu que a personagem entrou no carro e dirigiu até o supermercado em um dia de chuva. ao contrário da cena apenas com os sons em primeiro plano, podemos esmiuçar o plano sonoro dessa cena da seguinte maneira:

A personagem está fora do carro, então você tem uma camada de chuva externa e uma camada de chuva um pouco mais distante que seria ela caindo no carro. A medida que ela se aproxima do carro, o som da chuva caindo no carro fica mais alto, você tem o som dos passos em possíveis poças de água. Se a personagem vai abrir o carro ela precisa pegar a chave dela, então entraria o elemento da personagem, talvez, tirando a chave de um bolso, uma bolsa ou uma mochila. Esses elementos todos continuam se somando. Quando a personagem abre o carro (com a chave na porta ou por um alarme) você tem o som da porta se abrindo e ela entrando no carro e fechando a porta. No momento de transição da porta do carro fechando, a camada de chuva se altera. Aquela inicial externa agora tem menos agudos (pois o carro está fechado) e soa mais abafada. A chuva que estava caindo na parte externa do carro agora passa a virar uma camada do ponto de escuta de dentro do carro, ou seja, temos os pingos caindo no teto do carro e os pingos batendo no vidro do carro. A personagem, dentro do carro, se molhou na chuva, então pode acrescentar um pouco dessa água pingando da roupa e cabelo dela. Para ligar o carro, ela vai levar a chave até a ignição para dar a partida, ela pode mexer no câmbio para colocar o carro em ponto morto, depois que o motor ligar a personagem coloca o cinto de segurança, dá seta para sair da vaga e enfim temos o som do carro acelerando na chuva.

E dessa forma se pensa na edição complexa para que cause uma imersão ainda maior na cena. Eu destaquei uma palavra na descrição que é onde eu considero que deve estar o foco ao se pensar na edição quando se quer atingir um nível maior de imersão. No audiovisual utiliza-se o termo Ponto de Vista para trazer o significado de “onde vai estar a câmera” e “o que o espectador está vendo. O que está em cena”. Porém, para a mídia puramente sonora, vamos pensar de uma forma muito parecida, mas pensamos no Ponto de Escuta.

Assim como se estivesse filmando um vídeo você precisa saber onde a câmera vai estar para saber o que vai ter em cena, no áudio nós precisamos saber o que vamos ouvir. É um ponto de escuta em primeira pessoa ou em terceira pessoa? No caso daquela cena da pessoa entrando no carro, você pretende contar do ponto de escuta de alguém que ficou na porta da casa vendo a personagem ir até o carro e dirigir para longe? Ou do ponto de escuta da personagem que foi até o carro?

Uma produção pensada apenas para áudio precisa ser compreendida pelas especificidades deste meio.

Quanto mais você “tiver a cena acontecendo na sua mente” mais você vai conseguir traduzir ela em termos de som para atingir um nível de edição mais imersivo. Pois você não vai pensar apenas naquilo que o narrador, o jogador, ou a personagem diz que está acontecendo, mas sim naquilo que não é dito mas que estaria acontecendo ao mesmo tempo. É preencher as lacunas sonoras deixadas pela explicação, construir a várias camadas de uma paisagem sonora. A imersão sonora é quando você consegue transportar o ouvinte para o ponto de escuta da sua história e dar as ferramentas para que a imaginação dele crie a cena que está acontecendo.


Este artigo também está disponível em vídeo com referências e exemplos do que eu falo no texto.