Antes de irmos direto ao tema com as tendências que podem prejudicar o podcast esse ano, vamos iniciar com uma breve análise de 2023 no cenário do podcasting. Grandes empresas, como o Spotify, que ingressou no podcasting há três anos sem um plano estratégico de negócios definido, contribuíram para o ciclo de expansão e declínio que impactou o mercado.

À medida que esses grandes players saturavam a área com um número ainda maior de podcasts, muitos programas começaram a enfrentar diminuição nas verbas publicitárias disponíveis. Isso resultou em queda na qualidade, prejudicando os podcasters independentes e deixando os ouvintes irritados e confusos, já que o caos se tornou a nova norma no podcasting.

Essa situação levou a cortes que se propagaram por toda a indústria, causando danos pessoais, prejuízos nas carreiras, impactos nos meios de subsistência e confusão entre os ouvintes.

Pode ser que em 2024 ocorra uma correção, com grandes players como o Spotify adotando abordagens mais atentas e cuidadosas em relação ao podcasting. De acordo com análises conduzidas por estudiosos de podcast nos Estados Unidos, o mercado de ações ainda considera podcast como um investimento positivo. A categoria mantém uma movimentação financeira saudável, e os empregos no setor ainda são robustos em comparação com outras formas de mídia.

No entanto, ao longo dos últimos anos, o mercado de podcasting tem seguido algumas tendências que podem prejudicar o podcast no futuro. Nessa matéria, vamos abordar as quatro que mais podem representar desafios em 2024, começando com as duas que que têm impacto a curto prazo.

1. Celebridades utilizando o podcast para reabilitação de imagem

Não vamos detalhar todas as celebridades que adentraram o espaço do podcasting, mas muitas acreditam que devem usar podcasts para reparar suas reputações. Agiram de maneira questionável? Iniciam um podcast para explicar por que não são pessoas ruins. Cometeram erros em reality shows? Iniciam um podcast alegando que a edição distorceu a realidade.

Isso cria um cenário onde alguns influenciadores digitais pensam que, com a liberdade do podcasting, podem mostrar sua “verdadeira essência” para os fãs. O resultado, no entanto, muitas vezes é alguém que usa da mídia pura e apenas para tentar apagar as máculas que as próprias ações deixaram em suas carreiras. Claro que com a moda dos fakecasts, cortes falsos de podcast que são postados aos montes nas redes sociais, o formato virou um escape para isso.

Quanto antes essa moda passar, mais cedo esses figurões vão parar de prejudicar o podcast.

2. A proliferação constante de podcasts sobre crimes reais

É claro que não temos nada contra podcasts sobre crimes reais. No entanto, a presença de podcasters nesse cenário em programas de TV se tornou um clichê, e não de uma maneira positiva; em várias produções, os podcasters de true crime são retratados ou como pessoas desequilibradas e peculiares, ou como grandes autoridades na resolução de crimes – mesmo que isso não seja a sua função ou profissão.

As pesquisas sobre preferências de podcast mostram que os ouvintes consideram o gênero de comédia o mais atrativo, mas podcasts sobre crimes reais, principalmente de grandes redes, continuem a aparecer com mais frequência.

Criadores desse tipo de conteúdo muitas vezes embarcam em cruzadas para resolver casos arquivados, provar a inocência de alguém que já foi considerado culpado, ou solucionar casos onde o criminoso ainda não foi identificado ou capturado. A saturação de programas policiais e focados em crimes, no podcasting, pode contribuir para que o público tenha uma visão distorcida do que têm acontecido no mundo. Isso gera alarmismo, e quando menos esperarmos, metade do público vai estar criando demanda por mais crimes reais, enquanto a outra metade tem receio de ir até a esquina de casa sem um lança-foguetes nas costas ou qualquer instrumento de proteção.

Enquanto o “true crime” estiver mais preocupado com a resposta de público do que com o “true” (a verdade), o poder do podcasting vai ser usado pra, sem querer, distorcer a realidade para pior. Esse conteúdo precisa ser produzido com muita competência e responsabilidade – um conceito que muitos criadores de conteúdo ainda precisa acertar.

Na sequência, também estamos lidando com duas tendências que podem prejudicar o podcast a longo prazo:

3. Infiltração de desinformação e fake news

O podcasting é um espaço democrático que incentiva todos os tipos de discurso. De acordo com o consultor de podcast George Witt, é mais difícil descobrir falsidades e discursos de ódio em podcasts em comparação com postagens escritas no Facebook e no Twitter.

Mas o áudio pode ser uma forma poderosa de espalhar desinformação devido a todas as qualidades que tornam o formato tão atraente para os ouvintes, disse Valerie Wirtschafter, analista de dados sênior da Brookings Institution.

Grandes redes de podcast deram origem a uma série de podcasts que espalham desinformação. A desculpa que as empresas dão é que esses podcasts têm “uma base de fãs apaixonada”. Esse argumento não se sustenta por si só, já que os supremacistas brancos e os neonazistas também – mas isso não é motivo para dar a eles uma plataforma para vender anúncios.

A potência do áudio em podcasts, ao criar uma conexão única e íntima com os ouvintes, torna-se um veículo eficaz para a propagação de desinformação. Exemplificando isso aqui no Brasil: o Flow Podcast, um dos podcasts mais populares de 2021, tinha a agenda de ocasionalmente abordar teorias da conspiração, como no caso do episódio em que deram palco pra um convidado que defendia que a Terra era oca. Além disso, Monark, ex-apresentador do programa, é alvo de um inquérito que tramita no Supremo Tribunal Federal por disseminar fake news e por defender a criação de um partido nazista no Brasil.

É crucial que o podcasting enfrente a responsabilidade de filtrar desinformação, teorias infundadas e fake news. Ignorar esse problema pode transformar o podcasting em um terreno fértil para teorias da conspiração e ódio, comprometendo a integridade da podosfera.

4. Podcasts independentes são espécie em extinção

O podcasting, que antes era um ambiente colaborativo, viveu uma mudanã com a entrada de gigantes como Spotify, Amazon e iHeart, focados em resultados financeiros. Essas empresas financeiramente robustas são, muitas vezes, vazias de sensibilidade, o que também prejudica o podcast.

Podcasts independentes, inicialmente conduzidos por uma comunidade sem grandes investidores, destacam-se pela qualidade, não seguindo estratégias de entretenimento mais comerciais adotadas por grandes redes como Cumulus ou SiriusXM. Esses podcasts mantêm uma autenticidade que evita influenciadores egocêntricos e estratégias desagradáveis para aumentar audiência e receitas publicitárias.

No entanto, a existência dos podcasts independentes está ameaçada à medida que gigantes como Spotify continuam a aumentar sua influência na indústria. O risco é que, sem a valorização desses criadores independentes, o podcasting possa se tornar mais uma forma de entretenimento dominada pelos grandes conglomerados de mídia. Em 2024, a escolha dos ouvintes entre podcasts independentes e grandes redes se tornará uma questão crucial para o futuro do meio.

Essas quatro tendências são uma ameaça ao podcasting. As duas primeiras – excesso de celebridades e excesso de true crime – são considerações relativamente menores que podem se corrigir organicamente.

Mas os dois últimos – o podcasting como refúgio para a desinformação e os podcasts independentes na lista de espécies ameaçadas – têm consequências graves para o podcasting. Poderia a mídia se tornar um point para pontos de vista extremistas que defendem a violência, o autoritarismo, a censura e a punição a certos grupos de cidadãos? É esse o futuro que estamos semeando?

Sintetizando uma necessidade do mercado: podcasters independentes precisam do nosso apoio coletivo. O que acontecerá se o crescimento dos podcasts independentes for interrompido e a maioria dos novos podcasts vier de grandes redes? O quanto isso pode ativamente prejudicar o podcast? É hora de fomentarmos mais discussões reais sobre as nossas ações e reações, tanto na vida real (que a gente traz para o digital), quanto pro digital (que levamos para nossa vida real). Com consciência, criatividade, colaboração e respeito pelas pessoas e pela informação.

Conteúdo traduzido e adaptado da newsletter Podalization, por Frank Racciopi. Originalmente publicado em Castnews.